quinta-feira, 31 de maio de 2007

Publicidade e Mar Quente Ltda.


Chutando latas, assobiando, perdi o hábito, rasguei-me a seda e curti o arrepio na pele, um erotismo que o vento traz, chutando choros, botando a boca no mundo e chupando até a goela, beijando o pescoço das galinhas da vovó, assim vou indo, cantando alto tudo que for venéreo, todos os fios de cabelo que a tesoura das ruas me condena, amputação das sobracelhas, enforcamento do meu espelho, até não ser mais eu e os sete anos mergulhados no sangue sacrificial da não-plenitude.
Meninas e garotos horrendos em suas belezinhas em que a brilhantina vulgar escorre de seus possantes carros, o óleo diesel misturado com a Coca-Cola e piscam tanto uns para os outros que ficam tão cegos quanto o tétano.
Andando, chupando serpentes, chutando garotas e meninos, com todo poder do esquecimento.
Palpites enrustidos afundando na lama em que piso de coturno pré-militar. Sabe como ? Assistindo TV e pensando em outra coisa, fazendo outras coisas e sonhando com a Bem-Amada, a saber, minha televisçao, essa bissexual que faz algo quando saio, tenho certeza, tia, com o liquidificador e ainda pego a orgia com o agente principal de todas as paranóias modernas, afetivas, inseguras da própria umidade : o Personal-Computer deitado na rede, bem no meio, entre a mulher e o homem.
Andando e chupando acordos para sobreviver nesse mundo e saiba, saí pra compar cigarro e rum pro meu lindo hardware gostosão e latino.
A lama redondilha menor, a brilhantina redondilha média e os versos brancos sendo os principais para falar disso tudo, sem no entanto explicar como cicatrizam as feridas dos anjos amputados de suas asas, tendo que comparecer à vergonha de não poder cantar alegre, ouvir música alta, ou praticar um justo assalto, um karmico sequestro, um divino erro de cálculo renal, esse que enaltece pela dor a existência da bocarra sonhadora da uretra.
Chupando ciber-cérebros de todos os mártires, chutando cada James Bond com seus martines, os Wolverines apaixonados, os marines que votam alegremente no sr. Lula, no sr. Bush e se esquecem dos mil tiros ao alto, em nome de alguém como Paulo Francis ou os intestinos de D. Pedro, the first one, the best, the new york times of apocalipse, o cólon, o reto, servindo como cachecol para a Lady Punk, Lady Trash, a deusa grega da juventude viciada em serial killer e séries como Friends: Hebe Camargo.
Andando pop, andando B'52's , andando Carlos Gomes tocado pelo DJ Mau-Mau ( é sério, procurem saber, o fim está próximo, negada), chupando a cidade pela sua ponta de linguiça toda passada nesse hoje de vencimento fatal, filhinho, não coma os iogurtes e os yacults quando a tampinha metálica fica gordinha.
Mamãe, não coma mais nada quando a barriguinha do Nada ficar gordinha, flácida e começar a citar, vixe Maria, vixe Tim Maia, vixe-vice José de Alencar com Ceci e Peri ( sério o lance do Carlos Gomes, afro-genéticos !), vixe, citar Sartre, Freud, Prozac e outros mestres da contemporaneidade Alzheimer, aquele patogista necrófilo e fumante de Halls queimando com poeira cósmica em plantões médicos, aquilo que mostra sangue natural, mais natural que o sangue natural, ao menos a safra do vinho eleito pelo banco Safra, é menos salafrario que o sangue do pobre anjo que foi depenado na noite do Natal.
Andando e beijando os pescoços dos Perus Sadia, já que hoje em dia são os únicos perus confiáveis para se colocar dentro de si. Melhor gripe aviária que gripe viada, dizem as beatas versão Beta, em fase de teste religioso.
Chupando e andando anacondas e outros falos na faliciosidade da meia-entrada na quarta-feira, sim, como não, só a mocinha de bigodes Magritte me pagando pra assistir a filmografia de seus sonhinhos de valsa, salva e merengue.

Sim, amado Wander Wildner, eu também quero uma festa punk e "nicotina, nicotina, entra no meu pulmão(...) sem ela eu não vivo, pelo amor de Deus me passa um crivo !!!",

++++++ Wander, como andando
chupando
beijando
e tudo mais assim,
ainda vem o tísico querendo nos tirar a pouca-delícia permitida do cigarro Derby ultra-killer, long-side B? ++++++

----- Longa é a vida, curta é a arte.
Esse é o problema do ser humaninho. -----

[@] Curta o curta ante que ele desapareça na mediocridade que lhe é própria. [@]

( E, pretinhos de alma branquinha com flúor: é sério sobre o Carlos Gomes, meu conterrâneo, meu igual em admiração lassiva pelo Rubem Fonseca, com o devido nojo Lourousse ao outro, o Alves )

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domingo, 27 de maio de 2007

Boca à fuça Anti-Merlosiana.


Ternurinha padrão típica de acasalamentos e quatro paredes, quando todos te olham e dizem, rapaz isso não é mais idade nem fuça pra escrever sobre a verdade.
Como não tenho uma cidade de praia, já disse algures ( algures, puta palavra legal), sento na beira da privada em chão e fico tocando a descarga. Não se preocupem, já não tenho idade nem treco pra vomitar.
Ligo o som o mais alto possível, respeitando a televisão no quarto ao lado, a piada que acorda todo mundo mas é boa, e minha música é ruim pra dedéu, mas ligo assim mesmo, dizem, que para fazer uma pequena revolução, até as 22:00 pois fiz as pazes com a vizinhança supra sumo sacerdotal.
Como é isso que dizem também: estar com o saco na lua ?
O meu pesa, quem me dera se voasse, se fossem bolas de Dumbo, se alguma emoção balão mágico pudesse dar a exata esperança dos erros ainda que podem ser cometidos numa boa.
Mas nem idade nem fuça, treco, diz mais que o espelho ( riso diabo no corpo ), o cobrador desse busão que é a vida. São vários cobradores, um a cada dia, todos clones de cobradores de clones de dias, tão iguais em si de mim, que quando começo a puxar papo tipo deles, manequins peladinhas de shopping center, me assusto tamanho tamanho enorme tudo desse domingo que parece eterno e o busão faz uma curva, ô, ô, se segura rapá, mas não é nada não, é bossa nova com guitarra, só angústia , pega o cobertor, cobre a cabeça, enfia algodão baby perfuminho rosa bebê, azul bebê, arco-íris baby Genet, nas orelhas.
A cobrança aumenta na medida dos acúmulos de pisadas na bola, bobo de quem deu vexame, tem que comprar a revista "Você S.A." e aprender lá as manhas do atual Eclesiaste. As orelhas gatunas já se levantam se eu não consigo no hoje de sempre busão e curva, sorrir para detalhes como o desatino dos sapatos. A opção pela burrice é um perigo, meu amigo. Quando a ira volta, vem como bolha de peixe monstro, zoião alumiado, dentes de bocarra caverna de carvão empapado, esfregando tudo na cara, colocando bombas pelos lados crucificados da individualidade terrorista, deixando você num deserto árido depois que a coisa fede num impulso de grito, berro, porrada, deixando você armado bem presinho dentro da caixa torácica. Revoluçõenzinhas mela cueca. Já sem idade e sem fuça, treco para topar apoio aos estudantes da USP, saudosos de um maio de 68, numerários encadernados de quem nunca colocou os pés na França, mas possui óculos de tartaruga e explicam tudo segundo adornos adornais e walter benjamins buarques de hollanda com backinho anárquico e estúpido debaixo das árvores do campus. Campinas mesma coisa. Sim, eu-lírico está de férias. Sem idade nem fuça para desgrudar todos os duréx dos trecos que outras pessoas grudaram no salão de festas, nem mais o tédio inventa algo que me divirta, que mané festa, moi chandon ? Festinha avenida paulista ? Festinha torre do castelo ? Festinha Copacabana ? Se ainda eu encontrasse um helicóptero caridoso, bom samaritano de umas figas ao caldo para a sorte do pé de cabra, bem maior se cofre citybank que me sustente a sorte de ócio, ouro de hanna barbera my friends, that's all, bem mais isso que a perna super texana do pernalonga sacanão.
Enumero as cidades em que já pisei com alma, alegria e tudo isso. Que chances tive em Miami, em Nova York ( que maravilhosa janela do hotel chicoloso: um beco escuro de tarô inteiro adivinhatório do meu gozo: negão e negona, esfrega e chupa, meladinho globalizado da safadeza que faz valer a pena...), Buenos Aires( olá, cemitério meu), e até mesmo Poços de Caldas, com suas frutas óbvias e um lugar mal-assombrado que servia de pretexto heróico ao desvirginamento das acatadouras mocinhas poçolépidas e fogosas. Era um hotel. Sempre um hotel. Ainda fujo do buzão e abro pousada autista, deixa de onda sanitária, numa praia deserta - caiçara nos pentelhos da chatice - e monto lá uma vastidão de dois quartos. Me sentirei, faz tempo, bem esperto, sem fazer mal pra ninguém, o que tem sido o importante, sem idade, sem fuça pra outra coisa, trego de ser feliz total nem pensar, vou poder morar em cabana bacana pau e bananeira, sem pagar um tostão a diária meia entrada. Mas para isso teria que aprender algo sobre sushis e sashimis, não me dou bem com o elemento fogo, basta o meu no azar das dobras, o que me obrigaria a uma segunda-feira soberba de aplicação na vara, a de pescar já que do cofre lá dentro, não tive o viés de ganhar o peixe. E quem disse que eu vou sair dessa paradez? E ainda tem o calmante tarja judozão que me rouba os sonhos obrigatórios...
Mas que enrascada, meu chapa.
Pois é.
Passar o tempo.
Até quando?
Até amanhã, caceta.
Mas e quando chegar o amanhã do teu amanhã, vai assim dar uma morrida sem nada de muito alegre depois
dessa
idade
dessa
fuça
desse
troço de ser impertinente ?
Essa é a questão, padre. Essa é a confissão, tia Benta. Essa é a lambança do meu sexo indormente, Socráticos cobradores do buzão em bons termos, apertos de mão, combinações e claro que, revoluções mela-cuecas de satisfação dutifri.
Ah, tem sempre alguém que paga o pato: vou jogar as roupas de baixo de cima da janela do oitavo andar, dó que não dou, isso sim que é baderna, gentinha universitária, povinho ramela de comédia entorpecente no restinho do espírito que me sobra, nem vem que esmurro , ficar pelado em pleno inverno e beijar a madame Pneumonia na boca, com linguão e espelho no teto, até o pneumococo, filhinho meio down, meio emo, ficar com medo de ser contaminado por mim e não o avesso disso, dissos-eu que voam para o ar, que hão de grudar nas caras de cada cobrador do busão cósmico, gente que pisou na bola com a discrição da descrevicionice maquiavélica, retomo, "Você S.A", bem como "Arte da Guerra", e que agora só paga o shozinho de me ver - a troco de alimento semanal e visita íntima - esfregando minhas próprias bolas junto com o parmesão praquele almoção à italiana. Mama na minha, tiazona.
Pelado e fumando um cigarro, busão em chamas, ataraxia de quatro pra mim. Uma cuspida e chulapa !
- Demorô, bicho.
- Também achei, cumpadi, chama duas, chama três que tô pagando.
Agora, dona Calma, se bandeia pra lá, lava as partes e me prepara um bom quinhão de alegria e abandono de ti, não olhe para trás, orfética em mofo, que sou impuras fúrias. Quem for cabeça entende, quem não for, que entre também na festa, qualquer vinho menos aquela geléia do tal merlot riograndense do sul.
Super-peladão cruzando babejante o céu cinzento de todas as cidades, de todas as saudades não vividas.
É isso aí.
Chama mais que tô pagando pra ver quem me toma a idade, a fuça, o troço.
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terça-feira, 22 de maio de 2007

O Lago Secreto.








Quando lembro dos jardins da infância, constato, não é o menino, mas as flores e matagais que possuem algo de diabólico, incurável no cedo da idade, no alvorecer dos músculos: temos tardiamente a consciência do mal; o saudosismo.


Caminho com Elle pelas alamedas floridas em todas as épocas do ano. Embarcamos no porto há dois meses e só chegamos no dia de hoje. O dia é sol, com espumante, o mar ao longe, atrás da cascata que a mesa de metal, rendada, impõe aos nossos, meus( não divido todas as sensações com Elle, a nossa combinação sobre planos de um amor duradouro), olhos, enfim, o navio e, soterrado nele, um pouco da lógica, se vai em fragmentos simbólicos. Foram dias felizes sobre as águas. Ao menos para Elle, que nunca sabendo da semântica portuguesa sobre seu nome, sentia-se sorrisos. Em mim, sonhos proibidos, os meninos quando eu era apenas menino, as brincadeiras.


- Querida, bebamos para esquecer.

E ela, inocente, "in vino veritas" :

- E também para lembrar.


O que te perturba é o vício da hermenêutica.

Ela me disse isso na tarde em que nos conhecemos em Viena. E durante a noite que se seguiu ao museu, em meu hotel, combinamos a viagem. E o algo de segredo entre nós. Mantimentos de matáforas que asseguravam, de um lado a paixão, de outro, a distância do olhar, típica unicamente dos fantasmas.

O afeto é uma assombração.

Foi isso que respondi, sem cobrar que ela entendesse.


Minha mãe cortava os caules antes que os botões se abrissem. Ela via algo de indecente não não pétalas, mas na queda das mesmas sobre o gramado. Mulher bonita, de uma ruiva coisa que perturbava e excitava todos os meninos, eu o patrãozinho, os outros, joguetes dos humores climáticos, dos desejos que eu impunha em nossos destinos de veraneio. A cada novo ciclo de solstício, meu pai mudava todos os empregados. De seus ombros largos- Elle ficara impressioada diante das fotos- uma cabeça protestatante. Sim, fazer o bem, mas com limites. Se os limites paternos seguiam os fluxos naturais, a moralidade das chuvas antecipadas em seus estudos físicos, a minha expansão vinha dos brotos decepados, que um a um, eu colocava na boca, que um a um, dividia nas bocas dos outros meninos.


Elle disse que pagaria qualquer quantia para dormir em meu quarto, agora apenas mais um quarto, na pousada, o prédio principal, em que durante o check-in, ela me disse que pagaria qualquer quantia por deitar no simulacro atual da minha cama. Como satélites, erguiam-se bangalôs, preferidos pelos turistas comuns, joviais paredes, janelas para a brisa. Meu quarto, com sua ausência de banheiro, era um dos mais baratos, informou o gerente. Elle pareceu frustrada. Para alegrá-la, fomos colher flores, o que, diga-se de passagem, era proibido. Novamente aberta aos sorrisos, Elle me abraçou e disse algo sobre Rimbaud e a gratuidade das cores que a Natureza oferece em sacrifício para o gozo estético. Eu assenti e me senti calmo. A nossa cama, nunca seria a minha cama. Traças da memória. Com o pedido, Elle achou ter atingido algum segredo meu. Simulei um suor de extremidades, sem que ela visse, absorta por uma sequóia. Cuspi nas mãos e as esfreguei. Para confirmar o quão distante Elle estava dos meus medos, perguntei:


- Quer ainda hoje visitar o lago?

- Não, querido. Deve ser cansativo. Vamos reservar um dia para isso. Um dia inteiro!

Ou ela continuava inocente, ou já descobrira que


Eu e os meninos no lago. Folhas boiavam e se entrechocavam. Eu e os meninos boiávamos. E tudo mais. Um jogava, então, jorros de água no outro, até que tudo jorrasse com uma violência de sons que fazia com que os pássaros revoassem, sinfônicos. E quando tudo se calava, os olhos fechavam, tudo jorrava e lábios mordidos. Em silêncio de nunca confessar. Voltávamos por caminhos diferentes. Eu, para a casa sobre o morro. Eles, para seus afazeres precoces. E no próximo verão eles não mais existiriam, qualquer remorso devolvido para as ilhas, de pequenos barcos que os levavam, trechos de suspiros. Segredos como paixões.


O jantar era adequado, pato e uvas. Elle e eu falávamos de caça, e logo sobre as ternuras da carne bem caçada, esperteza do atirador: quando mais perverso fosse, bem escondido, estrategista, melhor seria o sabor. Um sabor de infância mole. Molho de uvas melhores que o vinho, notamos também isso. O que nos espantou: não sabia de antigas ou recentes uvas por aqui. O vinho, o mesmo vinho, poderia ser conseguido em qualquer quanto do planeta, em uma espera máxima de doze horas, segundo nossos cálculos. Mas a uva não. Ressecada, sem umidade, sem sexo. Elle que disse: "Sem sexo". Só conhecendo-a para saber que isso não era desejo em si, mas um avanço de suas peças sobre o tabuleiro: meu corpo nu, meu corpo ainda despelificado. Voltavam por vezes os meninos daquele verão ou outro. Eu fingia tomar minha trilha e quando tinham desaparecido, deitava na terra - úmida - que cerceava a lagoa. E ficava em paz e alguma dor que alienava minha carne de mim mesmo, a satisfação plena antes do primeiro e fundador tombo adulto. Unhas e arranhões que as calças escondiam, mas nunca uma ferida de repulsa. Não, não naqueles tempos. Entrando pelo pórtico, o abraço da mãe, o sorriso compreensivo, empurrado adiante dos ombros, de meu pai.

Na nossa primeira noite, após o jantar, eu e Elle nada fizemos além de fumar, conversar e sentir falta de música. Se ela soubesse minha alma. Não por vergonha, mas pelo jogo que a trouxe aqui. Elucidar-me na raiz de um jardim que lhe agradava o passeio.


Dorminos abraçados e luzes de pesqueiros uniam estrelas e mar. Cortina com vento, algum lugar atrás disso e da pequena floresta, o lago. Tomei o resto do vinho que já pegara no sono, sobre o criado-mudo ao lado de Elle. No dia seguinte iríamos lá. Eu sei que ela exigiria.


Nós dois mergulados até a altura do peito, Elle alta mesmo descalça. Jejum do café.

Ela me beijou a boca.

Eu a tirei de mim. Fiquei de costas para seus lábios, para seus dedos.

Ela me abraçou, Elle.

- Então é apenas isso, querido ? Tais lembranças...

- Apenas é tudo isso.

Revoada de asas, melodia mais requintada, na atualidade.

Elle me abraçou.

Fechei os olhos.

Seu hálito na raiz de meus cabelos já começando a clarear.

- Seu bobo.

- Sim.

- Seu lindo.

- Me...me abrace mais.


Que todos os verões sejam com você, querida.

Que nenhuma embarcação te leve,

não desse momento,

nunca desse instante...


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quinta-feira, 17 de maio de 2007

O Livro Único: das mãos estranhas.


Tenho em minhas mãos a edição rara de DelVechio & Morales achada hoje acidentalmente em um sebo no centro da cidade.

Acordei com uma motivação espetacular, algo, algo iguamente raro, como a edição de Costumes do Bom Homem, me movia para o meio das gentes. E eu conhecia bem esse sentimento, tal qual Borges, cujo corpo servia de anteparo para as obras "certas", o meu servia de membrana volátil às obras explicitamente erradas. Como uma forma deliciosa de maldição, mesmo quando me posicionava adequadamente com as formas de um tempo, vinha a euforia pela letra maldita, algo incontrolável, que desse mundo me despregava as normas, as vertentes absolutas de uma certeza;

Diante disso, agora trato do não-raro, perdia tudo, dinheiro, sanidade, família, tudo em nome de argumentos, paisagens, provas que me jogavam na montanha-russa do entendimento: não havia como voltar atrás.

Pelo bem dos outros, após quase uma dezena de achados bibliográficos infernais, tantos filhos que me cuspiram na cara e mulheres com facas e direitos femininos, me fiz sozinho em um apartamento quarto-banheio.

No início havia uma sala. Mas ela virou quarto ampliado, parede ao chão, de mal-cheiro aos pedreiros com lavandas e desodorantes eucaliptóides. Agora meu quarto era biblioteca, muito mais que cama. Entre um e outro livro destruidor, eu acumulava tratados de virtudes, religiões, todos os momentos de sabedoria e ditados construtivos da farmacopéia ética popular. Me alimentava, igualmente, das Confissões sublinhadas e Cidades Divinas circuladas de Santo Agostinho. Tomás de Aquino, divinizava o perigo de Aristóteles: afirmava-me existir um "ser", mas o moralizava adequadamente.

Tudo isso mais os atos. Quase que apostólicos. Das esmolas ao dizimo, da gratuidade bondosa até compromissos com retiros e todas aquelas fazendas naturebas.

Mas de tempos em tempos, ali se via, um exemplar raro, o sangue ferver, a mudança escatológica na vida.

Meu quarto & banheiro se tornavam meu protetor manicômio. Com a idade, aprendemos a amar manicômios, prisões e conventos. E digo isso não apenas para citar Goffman, que poucos devem saber de quem se tratra.

Percebam o que lhes acontece aos 30.

Diminuimos de tamanho, ano a ano, e por proteção contra tal decadência física, desejamos contenção.

Ela geralmente é bem-vinda entre os seres.

Mas eu e minha maldição dos livros errados.

Inegável paixão, encontro destinado, uma doença assexualmente não transmissível, ou seja, a solidão risonha.


E o que há de errado com os Costumes, del Vechio & Morales ?

A começar: nenhum estudioso até hoje, nenhuma academia até agora - se bem que foram tambpem raros os a se debruçar sobre o Tratado - conseguiam datar a obra.

Reza a lenda de almanaque culto: Dois assassinatos envolvendo a disputa pela melhor data - no meu entender, diabolicamente aleatória, eu que nada tenho com os bancos de ensino e lousas arrepiantes - eram narrados, mortes de professores que se meteram a identificar não um ano exato, longe disso diante de dois autores, ou apenas um de nome erradamente cunhado em italiano e outro, espanhol, mas um século em que tal livro poderia ser, não encaixado, mas acalmado...

Nenhuma referência quanto à maneira de ver Deus, ou em alguns capítulos temos deuses, o que piora a situação não só histórica, mas protetora de sanidade: na obra, temos toda uma genealogia de divindades nunca antes relatas em nenhuma tradição. E terríveis. Sem paralelismo, desculpa que a Religião Comparada, ou o estruturalismo totêmico, forjam no intuito de acalmar as almas. Quem já ouviu falar de um deus que nasceu do arroto molhado e embriagado de uma deusa-mãe que se prostituia no alto do Esgoto, nome dado ao Éden ? Mas por outro lado, se tudo é ficção em tal campo, tudo também é verdade, se assim tocar e peturbar o homem. Todo papo sobre o mito que leva gentalha hoje a orgasmos peripatéticos, Paris e danbrosismos cinematográficos estão aí que não me deixam mentir. E assim sendo, creio no que se move dentro de mim, ou seja, toda mulher universar tem o seu lado puta e dessa puta que somos descententes loucos.

Que assim seja. Estaria resolvido. Mas em outro capítulo, os dois, ou o um escritor ( serão mais ? uma organização secreta ? se o for, agora, hoje, abajour intenso, onde procuro "meus irmãos" iniciados ?), afirma haver apenas um Deus verdadeiro, o Perene, o que deve ser exaltado. Mas memso aí, na contradição, não se acalma o intelecto. O Deus único é resultado da fusão de todos os outros, em algo que é chamado Grande Orgia Ontológica...

Ou seja, nenhum movimento histórico, apenas a ressaca, sim, repito, a ressaca que deixa com que o lado terrível do Deus judaico-cristão, do Buda, de todos esses caras seja a suprema verdade. Se todos os deuses estavam construindo os costumes do bom homem, em determinado momento se cansaram, se fundiuram, uniram forças...e isso nasceu do tédio, do fim-de-festa univarsal. O Deus da soma, o Único, é mal humorado. Está com enxaqueca. Ele é um lago escuro, tanto que possui nomes proibidos, apelidos que não suporta ser chamado por qualquer um, enfim, um sujeito mimado, chefe de algum espediente de almoxerifado, a saber, a minha existência aqui nesse mundo e a de todos nós.

A linguagem do livro.

Pode ser de algum canto de taberna, o Renascimento. Ou o barroco. Ou satírico de Apuleio. Ou então, mesmo então, um evangelho, uma profecia antes do Cordeiro. E como tudo isso ? Só há duas explicações e nenhuma delas me causa conforto, me impede de cometer atos irreparáveis contra mim mesmo ou ou outros:

a) O texto é uma compilação de vários textos malditos pela História da humanidade. Atrás dessa corruptela autoral, do binômio estranho, existem cem, mil homens que se uniram no intuito de provocarem em mim a paranóia com provas, ou seja, a intuição desejosa da catástrofe. Não é uma bomba. É um sebo humilde, envergonhado, anão diante dos edifícios luzentes, chamtivas pratas de incontáveis andares e portas, através das quais, uma maioria de homens com a minha idade ganha dinheiro e paga a mensalidade do clube e da ginástica dançante, ou sei lá o que, de suas filhas colegiais que escondem a calcinha na bolsa. Se não posso encontrar meus irmãos de anti-fé, onde encontrar meus assassinos. E o que piora tudo isso? Saber que se alguém se interessa em tudo isso no cosmo, esse alguém sou eu. Ou seja: Eu devo continuar o livro, e nunca publicá-lo, esconder em alguma livraria, em algum armário, até que a próxima vítima, nos próximos séculos, encontre. Mas eu não posso estar certo. É uma terrível arma que me foi destinada. Contra isso, tenho apenas:

b) O texto é de apenas um( no máximo dois) autores. Isso faria com que eu relaxasse. Nada tenho a continuar. Está já tudo escrito. Basta queimar - sempre a melhor saída - a obra, os autores. Buscar em todo mundo as edições remanescentes e dar-lhes fim. ( Quando foi a primeira vez que ouvi falar disso tudo ? Algo envolvendo um meu avô, ou tio, uma palavra dita no ouvido e uma mágica que não se parecia com ilusionismo. Ou sonho. ). Novamente, o livro me empunha um trabalho sem fim. Países. Desconfianças geográficas. Risco de amores que já não espero para mim, já não acho...seguro. E ainda não terminou. Se temos apenas Vechio & Morales e acaba aí a autoria, como esses dois conseguiram tamanha...atemporalidade? Tenho aqui no quaro-(sim, biblioteca)-banheiro, um sem número dos chamados escrotamente "autores-pós-modernos". Pois sim, na audácia da escrita não superam essa luceferiana edição que aqui treme nas minhas palmas. O que dizer das cento e trinta páginas, após o advendo da epístola "Uma Carta Para os Enganadores Surrupientos", lotadas apenas com a sequência do alfabeto ( não, na edição não consta editora, nem tradutor, apenas as páginas amareladas contrastando com a perfeição gráfica das letras em Garamund) , de "a" até o "z", seguida de nomes hebraicos que, se traduzidos e decentemente codificados em números, temos as mais terríveis maneiras de insultar médicos, advogados, esposas, maridos, débeis-mentais, homossexuais, negros...e então, a volta, a grande volta, até mesmo e principalmente os judeus. E assim, recomeça novamente o alfabeto, todo, inteiro, em diversos tamanhos. Não tem para ninguém de hoje, para nínguem do sondável meio literário do amanhã. Assim, que tipo de ser humano foi/foram Vechio ( juro que não falta um "c") & Morales ? O que pensar de Júlio Verne, ou do verme Nostradamus ? O que pensar de tudo que aprendi, das categorias espaço-temporais ? Da minha militância política, da minha primeira paixão com chicletes desleixados e assim, quase beatnicks ?


E quem tem coragem de queimar ?

Apenas homens muito bons e cheios dos costumes.

Não é, por maldição intuitiva e euforia, meu caso.


Durmo, leio, vomito, acordo. Durmo. Palavrões hebraicos. Deuses com corrimento uretral. Anjos lambendo a micose - chamada de mundos e universos - do Pai. Vomito.


Entre (a) e (b), deliro uma febre que chama "c".


Entre tantas letras, deliro uma e outra, um suor que se chama "escolha qualquer uma ao acaso".


" O homem de bom costume deve ser um bom homem sem o costume de certezas e opções"

( pg. 482 ).


"(...) dessa forma, o sexo feminino é o balde em que o homem se descobre como a roupa suja do êxtase erótico(...)

(pg. 49, repete na 789 e na 834)


"Os namoricos devem servir ao deus Xacopy-là, ou seja, os namoricos servem para emancipar o livre seguimento das corrupções essenciais humanas".


Durmo, acordo. Acordo.


Dia de sol gritante. O travesseiro joguei pela janela.

A edição serve-me como tal à cabeça e pescoço latejando.

Manhã.


De tarde, vejo quinze vasos com macaquinhos pulando vivamente, onde só havia um vaso. O sanitário.


Tantas letras e imagens. Promessas do infundado. Algo que surge.

Sim, pois é isso.

Respiro aliviado.


E assim, respiro no plano até a noite:

Lista telefônica.

Abro em qualquer página, coisa que sei fazer como rato que sou.

Qualquer letra. Gratuidade.

Alguns sobrenomes, nomes, endereços e mesmo números de telefones demonstram, para o neófito da Obra, uma letigimização da fraqueza. Do apelo:


- Srta. Munchal ? Tenho uma entrega. Que me confirme o endereço, por obséquio. A mando de quem? Deixe-me ver. Apenas assim, na contra-capa, caneta esferográfica. "De um admirador da sua sagacidade espiritual". Faz sentido? Não quero cometer erros, senhorita. Que bom! Para quando então, o motoboy ? Já é tarde? Oras, de forma alguma um trabalho, e se o for, é o meu mesmo, Srta Munchal! Sim, claro que posso chamar de "simplismente Regina". Ficamos aqui na agência muito felizes com pessoas felizes. Elas são a satisfação do nosso desejo, Regina. Então, fica assim: hoje mesmo. Claro, só o tempinho de eu chamar o moço das entregas. Não, de forma alguma precisa esperar no portão! Faça um chá. Beba um vinho. Não é todo dia que um admirador espiritual aparece nesse mundo de matéria, né ? Boa-noite, Regina ! Meu nome? Por Deus, apenas um teu servo! E nada de gorjeta para o motorista, ele bem já recebe! Fique com os anjos. Adeus.


Me sinto como um habitante dos prédios altos fazedores de dinheiro suspeito. É bem fácil. Me sinto nos dias de hoje. Vou até as Páginas Amarelas. M, M. "Motoristas". Não, antes, "motoboys, serviço de".

Anoto o devido prometido na contra-capa e anuncio algo mais: "Para Regina, a sucessora de uma maldição".

Um dia ela entende.

Nem que seja ao lado do deus Yuter-Rom-La.


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quarta-feira, 16 de maio de 2007

Para Além do Príncipio do Amor.


Ele cortou a língua, cobriu-se, toda a pele antes exposta, pelo couro negro, preso atrás do crânio com cadeado inoxidável, que jogou a chave pela janela do carro, lá bem no lá longe do deserto, após perder dinheiro em Vegas, esposa em Paris, filhos em um hospital público, sem técnicas sobre apendicite ou infecção de amígdalas. Ele decepou as orelhas, a dor não trouxe o charme cult de se identificar com Van Gogh ou qualquer sujeito que se torne gênio às custas da dor. Onde ficou o tímpano e o nervo, encheu de mel e foi passear alegremente nas florestas adiante da casa, lá bem lá onde as abelhas fazem seus favos e fomes.
Por fim, ele executou o que faltava:
Tomando dois chumaços de algodão, mergulho-os em ácido, o mais corrosivo que se vendia nas lojas de equipamentos de ascese, e dessa forma agindo, colocou fim às narinas, fervendo um grito no último cheiro atroz, no entanto, satisfeito.
Sabendo que os olhos seriam a derradeira ação de seu projeto filosófico, antes leu poemas, viu uma moça bonita nua e amarrada na cama a contragosto, apreciou o desastre de si mesmo no espelho. Com uma colher de prata, tracejada de lindas linhas barrocas, do rococó espanhol, arrancou os globos e comeu a última imagem que reservou para esse momento, algo especial, o final da sua vida nos sentidos: a parede branca e mofada da sua casa, uma parede como outra qualquer, a evitar as saudades. Com a bengala apoiada sobre a mesa em que antes escrevia, pintava, fazia sexo, se orientou até a cama, soltou a moça, que saiu berrando horrorizada, mas isso ele já não mais poderia ouvir, nem ver, nem se emocionar.
No dedo anelar da mão esquerda, sobre a cobertura das camadas protetoras de couro, brilhava a aliança. Se ele quisesse nos mostrar o que estava gravado em sua face interna, saberíamos seu nome completo, iniciado pela letra alfa, finalizando com o ômega.
Jogou a bengala para o canto e estava finalmente livre da maldição de se orientar, de saber onde estava e para onde gostaria de ir. Agora todo lugar era qualquer lugar e toda coisa poderia servir de alimento, ratos, doces, fezes, flores.
Quando eu o encontrei deitado no tapete da sala, ele fedia, dormia e sorria. Li a sua história, bem amarrada na cintura, sem pedir nada ao final, sem contar que podia estar roubando, matando, mas estava pedindo. Ele não pedia. Existia gratuitamente ali, dobrado sobre si, a sonda saindo de um pequeno orifício onde deveria estar seu pau, outro buraco na bunda, insetos, seus ovos e larvas por ali.
Não sei como foi o que se seguiu.
Mas o abracei e vomitei sobre ele. Um vômito que deveria, descobri depois, ser chamado de julgamento moral. O nojo não estava mais com ele, mas em mim. Ele já não sabia em que estado se encontrava, poucos ou quase nenhuns estímulos deveriam chegar até ele.
Eu o alimentei durante semanas com o que tinha de melhor em casa. É o que faz um solitário diante do sofrimento maior que o dele mesmo. Então, no nosso segundo aniversário de meses juntos, eu descobri, meditando como o sorriso constante dele me ensinou, que ele não sofria. Eu sim.
Passei a alimentá-lo com toda a matéria mais repugnante. Coisas que saiam de mim. Que eu pedia aos amigos que coletassem de suas famílias, de seus filhos que passavam mal após o camarão com catupiry. Ele comia, devorava, na mesma beatitude que meus olhos – e todos os sentidos – perceberam desde o primeiro dia. Eu limpava sua sonda e seu buraco.
Eu estava, na falta de palavra melhor, fascinado por ele, apaixonado. Sim, a gente também fazia sexo. Ou eu apenas fazia sexo com ele, suspeito. Caso ele desconfiasse, em algum lugar daquela mente santificada e muda, não deveria se importar. Quando a gente ama, não quer saber de mais nada nem ninguém. Parei de ir ao cinema todas as quartas-feiras, todos os dias. Evitava as visitas. Não mais pedia para os amigos produzirem alimento para ele. Eu mesmo tomava os remédios que liberavam a produção. Tinha ciúmes dos excrementos alheios. Com o meu sim, feliz e assobiando, fazia sopas e mousses, não fazia diferença para ele, mas para mim sim. Nossa paixão pode até não notar as pequenas delicadezas que fazemos, pode não senti-las, como maridos desatentos, esposas que passam o dia no escritório e freqüentam happy-hours com os colegas e o chefe, mas isso não diminui, em nós, seres humanos, portanto dignos dos nobres sentimentos, o querer agradar nosso objeto de desejo.
E não é que com amor tudo fica mais gostoso? Desenvolvi um apetite tão refinado quando o que impus a ele. Jantares românticos e urina dentro das garrafas de vinho, água de poça oleosa, tudo que todos, os que não amam, julgam de maneira extremamente equivocada.
Também mandei fazer uma aliança para mim. Com o meu nome, eu passei a me orgulhar dele, como nunca antes, como a solidão nunca permitiu, e escolhi meus símbolos, o OM antes e o yin/yang depois. Um pedinte esfarrapado foi nosso padre, chapado pela bebida mais cara que eu pude pagar. Afinal, era um papel e tanto, consagrar o matrimônio. Na festa, meu amor deve ter notado algo, emitiu atrás da máscara negra algo que parecia choro, vindo do mais fundo lá do lá mais fundo dele. Com certeza estava alegre. Merecia comemoração.
No jantar tivemos uma tremenda comunhão: padre-pedinte ao molho de uísque, com champignons, pedaços ao forno, desossado. No Natal as pessoas embebedam pobres perus. Todo Natal morre um peru em cada casa. Inocentes bichinhos. O nosso padre deve ter feito muitas coisas erradas até aquele dia de nossas vidas e se eu o deixasse escapar, outras tantas faria. Não era inocente como eu, meu querido e os perus. Santificado foi pela arte da gastronomia. Estava uma delícia. Supimpa.
E ainda emocionado, meu amor chorou por mais cinco dias seguidos. Ele, o adorável. Ele, que eu penetrava a cada quinze minutos, paixão como essa nunca se viu. Telefone cortado. Energia elétrica interrompida. Para quê tudo isso?
O amor é telepata. O amor produz sua própria luz.
E chorou por mais um mês. Os buracos em suas órbitas vazias gemiam contrações musculares violentas.
Todo grande amor, esse digno de versos e canções, é meio trágico. Romeu e Julieta.
Tristão e Isolda.
Oscar Wilde.
O Jovem Werther.
Coloco-o sentado diante de mim. Eu estou sentado diante dele, o querido, a minha vida. Ele geme como um trovão sublime. Emoção demais. Outros achariam piegas. Nunca se apaixonaram, pobres diabos. Então era isso. Dei o primeiro tiro na testa dele. E dou agora o segundo tiro na minha boca. Espero sentir um pouco o sabor, o cheiro, a cor, a textura, o som da bala arrebentando dentro de mim. Coisas grandes devem terminar de forma grandiosa.
Gatilho quente. Que o mundo saiba: fui feliz.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Dueto Dentro De Si.






O jazzista ouvia lá debaixo a menina jogando handball. Estava, ao acordar no despertador de som violento, sem idéia alguma. Depois, sentado ao piano, topete e calda, instrumento cor pêssego, todo o sistema sonoro exposto, sem tampa, sem oculto ou mistério: o esqueleto da música.


A menina jogava sozinha, no entanto de alegria que fazia risos, como cócegas no ar que circulava o vento, sublime vaporosidade urbana, e ia batendo em tudo, metais, portões, tomadas públicas. O jazzista nunca teve uma só aula de piano formal, moral, o jazzista já fez muitas besteiras e besteiras foram feitas com ele, de um tanto, que já não sentia desejo de culpar ninguém, nem a si mesmo, o que, em matéria de arte, traz um imenso vazio criativo. Ele sempre vira a criação como ressentimento. Não como a menina que vai jogando bola, embolando, atravessando a manhã, atravessando risinhos e dentes puros. Cada cigarro que ele fuma, cada luz que passa no teto, adivinha as cores dos carros lá das ruas por esse tipo de cinema...ele começou a carreira tocando em filmes mudos, para espectadores que amarravam seus cavalos e motocicletas e naves espaciais lá fora, dependendo do que mostrava a tela e anseios desesperados, assim ele imaginava os anônimos, que ao final da sessão aplaudiam e gritavam, "menino, que bom que você não está apenas lá fora, jogando uma maldita e irritante bola".

Não que fosse isso que gritavam, na verdade, na maior parte das vezes, era isso que ouvia dentro de si, buscando vaidade naqueles olhos murchos, sangrando fumaça na época em que iniciaram as Grandes Depressões.


E agora, para cada vez que a bola da menina batia em uma superfície diferente, ele buscava o correspondente daquilo nas teclas. E quando ela ria, ria do quinto andar também ele, de modo que sendo o riso uma constante, se fez a melodia acertada, com barítono e algo, talvez algo como contralto e fadas, allegro sem dúvida, já que o ritmo se estabelecera muito antes: a beat alegre de um coração, que cansado de tudo, abandonou o tudo até então. E se fez novo, sadio, assim sendo, nada de maldita tinha a bola da maturidade que ainda dança e ginga, nada de condenável a deliciosa perda de tempo, nada de orgulhoso o existir enquanto artista.


Quando ele a viu pela janela do quinto andar, horas antes, após lavar o rosto, toalha apoiada contra o pescoço longo, idade para filha, muito possivelmente neta e melhor parar por aí nas rugas( ainda muito queria avançar com a alegria do handball, simples assim mesmo), obtivera a batida, a ressonânicia sonora, tradução em tempos tonais do afeto despertado, ainda mais por saber que a única comunicação possível com ela, a única que desejava, por ser em si já completa e divina, era o som, a bola, o piano pêssego em calda, ditando frases versáteis de salmos inéditos.


Assim foi a brincadeira que invadiu a tarde, que ninguém veio incomodar com as leis do almoço, banho, escola, ou com o tempo para fechar o próximo disco, ensaiar o show, treinar os dedos. Ela, sem dúvida também o ouvia como parte de si, o que ficava claro na maneira intuitiva ( & gargalhadas sempre ) com que buscava alternar os sons, no entanto, sem saltar de um agudo para um deveras grave subitamente, parceria estabelecida, todo amor vai calmo, em crescendo, ou sereno adormecer- com sonho e sol -, a bondade da menina maestro, então, e ele a seguia sob sua maneira adulta de ser ainda mais infantil que ela, apenas um átomo feliz e levitante, no meio da sala, do mundo, e a menina poderia se chamar tão somente: Deus.


A bola. O riso. O piano. O riso.

E o jazzista,

A menina, juntos

já não se continham e gritavam, tecla, parede, pancada, escolha,
gargantas floridas,


até que todos, sem dúvida todos, no universo( esse do tamanho de dois seres humanos mergulhados em linguagem própria, como confeito, beijo de saudades, retorno para casa...), todas as bocas e almas até então mudas, filmes por ressucitar, assim ouviram, até dentro das naves espaciais, inclusive a gravidade que se fez maçã, mesmo o mais distante peregrino sobre o lombo de um burrico, no deserto além-da-vida[-triste],


assim, todos continuaram ouvindo até hoje, até mesmo aqui,

até mesmo quando eu volto a ser

tão somente,

simplismente,


básico inclusive,

eu


mais

você.

°

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Inverno Dos Ternos Rasgados.












Dia que começa em madrugada subitamente fria, quando dividido entre o desconforto do arrepio e a delícia dos aconchegos - únicos garantidos - você fica no dilema que nos caracteriza, algo de angústia feliz, tipicamente kiekegardeana, o saber-se infinito e finito ao mesmo tempo, mas acima de tudo, o que não entenderam os românticos, é saber-se, abrindo com isso todo um espaço de prazeres, mesmo aqueles relacionados com a febre, escalda-pés e não tem coisa melhor, o espirro forte, sem vergonha, mucoso, que arremessa a doença longe em matéria que deixa de lhe fazer parte(...)





(...)e mancha a parede branca, promessa de outra ilusão, com o que seria demarcação ( giz ao redor do crime contra a etiqueta) do nojo.





Muito sobre a vida, essas mudanças súbitas no tempo, anoitecer como promessa, já fui marinheiro, mas ainda assim, é apenas a marca de um encontro amoroso com as leis do acaso natural. Quando o inesperado mais lotado de esperança chega, criança que teme a grande caixa fechada sobre a árvore de Natal, ou acertam MUITO ou erraram DESGRAÇADAMENTE, não se espera mais, é o momento de jogar coisas pra fora do armário, cobertores, meias, alguns livros que só combinam com o frio, e mais que isso, alguns afetos que só combinam com os corpos plurais, talvez monstruosos, pertencentes ao bestiário dos carinhos:





- Que venham sobre mim ! Montinho !





E eles vêm.





Escolher o que será de almoço, algo quente, algo de fumaça e melhor ainda, o céu da boca aguardando Masoch, a queimadura santa e divina do macarrão com brócolis.


A conversa corre, exatamente pra mim assim é perfeita, sobre tudo e sobre nada, em conclusões-sobremesa de filosofia preguiçosa, por isso mesmo, assumida em seu papel de inutilidade, ainda mais verdadeira que as acaloradas discussões de outrora.





E a tarde, a vagabundice das roupas sobre todas as coisas, a bagunça mais efetiva na calma que a organização anancástica, dos senhores e senhoras de lavabo eucaliptol.





E a noite, quem sabe madrugada, talvez a sorte, revés


de amanhã com sol.



( E saibam, falo também de relógios e seus ponteiros quase vivos, sombreando jardins...)

°

domingo, 6 de maio de 2007

Abandonos Aconchegantes.
















Não sei quanto tempo de história queimo, quantos livros finalizados, ou


pior, crepitantes começos, falas, até mesmo vestígios, todos soluções da vontade,


tornada letra, que agora não sei quanto disso tudo, e mesmo uma parte minha corporal,


queima no fogo que acendo entre mim e o feto que vejo no espelho, algo rastejante, algo lamacento, muito já idoso, velhaco que assume a prisão....




...e assim, frustração lidada,




aceita do guia noturno,


um vaso de enguias de pétalas-línguas


luminosas, ao meio-dia,




Relógio, tão pouco vento que alicie esperanças em restos de oxigênio, que o dito cujo fogo, brasa, lava, muco de mim varra tudo, memórias de uma Inquisição saudosa. Me torno tradicionalista no vulgo que, cansado, assumo. Correm lebres e leopardos, muitos temas, fotos, quartos de sexo, colchões sem contas de mar ou búzios ( sorte ? revés ?),




Nada mais quero significar para mim, já que tão múltiplo significo aos outros.


Ao menos a mim, darei descanso, e da cozinha dos sonhos,


mais coisa alguma hei de trazer que incomode...




Palavras caras crepitam sob o ardor da consciência leve.


Como saber?


Se leve é o ar que respiro dentro - e tão somente dentro -


do peito.


Que queimem tantas Romas desnecessárias,


tantos cadáveres épicos ( a que mais se destinariam, essas vítimas tela-pequena ?),


crueldade, se for, não me importo.




E o Acaso, com poder astuto, se bem querer me trará quereres passados reanimados,


até mesmo em outras faces, corpos, entradas e mucosas.


Não prova, com seu irmão e facínora,


o Tempo sobre esse desfalcado terreno ( de presas e preciosidades),


chamado amor ?




Que então queime, qual esquecimento,


que então queime, como bala recém disparada no peito do


anônimo inimigo.




Que a cada dia , um estilo chegue antes do sol,


ou não chegue tão breve,


uma gratuidade adquirida apenas por já não achar graça




Naquilo que sempre


( por demais)


fizeram crer


que


Graça havia.




°