sábado, 5 de dezembro de 2009

Endireitando.

Não posso dizer que o vem a seguir não seja uma ficção. O ficcionista - quando não declaradamente autobiográfico - fala de algo que não conhece. Não sei se Thomas Mann teve ou não tuberculose e foi parar por esse motivo em uma "montanha mágica", por exemplo. Sei de mim e mesmo assim, muito pouco, ou não haveria a angústia e esse ponto é essencial ao que pretendo escrever: sabemos muito pouco de nós mesmos. Quando durmo em meu quarto, quando a noite tem a paz anímica que me permite o sono, antes fico pensando o que se passa nos outros aposentos, os escuros, da casa. Haverão insetos ? Até mesmo seres místicos, oras ? Fantasmas circences cuspindo fogo fátuo na sala de portas trancadas ? Somos casas cujo humor e disponibilidade psiquíca nos conduz à iluminar um ou outro cômodo. Agora mesmo, eu estando aqui, alguém dorme em um dos quartos. Com o que sonha ? Belezas ? A Arcadia ? Ou com um crime hediondo ?
º
Por força das circustâncias vivo cercado por livros de Direito. Muitos, acotovelados, empilhados, estão agora mesmo ao meu lado. Seus títulos raramente me interessam e quando me arrisco a sondar um ou outro, me parecem herméticos. Com que direito então falo do direito? Oras, se agora me levantar, pegar uma adaga, vestir o roupão, for até meu vizinho, acordá-lo com a campainha, vê-lo chegando até mim com um misto do sono e generosidade e enfiar a lâmina rente ao seu esterno, deixando com isso impressões digitais, testemunhas da minha voz ao interfone, os cachorros latindo ao grito de espanto, dor e morte, no mínimo terei algumas dificuldades em arrumar um bom emprego no futuro quando me pedirem a certidão de antecedentes criminais. Será que a pessoa a dormir no quarto sonha com adagas ? Kant diria que se isso acontece, o melhor seria prendê-la. Freud há de inocentar: amanhã não se lembrará, uma barreira se formará, bons sentimentos surgirão, se preocupará com o aquecimento global e com todas as tolices que formam a consciência do homem comum, eu e você. Porém Freud também responsabiliza, mas sem culpar: ocorre de "esquecermos" a luz de um banheiro acesa, até mesmo de deixarmos um recado fecal no vaso sanitário, ao próximo, ao amado próximo, ao nosso semelhante, esse que merece respeito, bons modos e de forma alguma uma adaga no peito.
º
Em não raros códigos, o suicídio é visto como crime. O seguro não cobre o suicídio. E o potencial suicida, ainda no levante da esperança, não suporta ver facas fora da gaveta. Guadar a faca é apagar a luz da má intenção. Cegar com venda a pulsão escópica, que vale a pena lembrar, é fonte de gozo.
º
Ao condenar um réu, o que faz a Justiça ? O que é um sujeito "perigoso para a sociedade". Perigoso em quê ? A "sociedade": um grande conjunto humano. Não há lâmina de adaga que resista a tal soma. Mas muito bem, réu condenado, réu encercerado. E as adagas oníricas que atravessam a barreira da censura do homem médio, os cômodos escuros, as gavetas sem chave, continuam existindo. Existindo. O réu não existe mais, estando encarcerado ele também em uma espécie de ficção, que dependendo do grau da "hediondez" criminosa é relatada nos folhetins chamados de telejornais. O réu é uma personagem. E como tal, nos romances de edificação moral, é um exemplo, ou "contra-exemplo". O único papel do encarceramento não é proteger o número infinito de sujeitos sociais, mas criar uma ficção, uma anulação da realidade. Da realidade humana. Esconder a faca na gaveta obscura das celas superlotadas e jogar um "spot" de luz sobre a face amedrontada do potencial suicida que se afasta enojado de si mesmo. O encarceramento, como ficção, é a morte do réu como sujeito. Toda condenação é uma condenação à morte...não para que o réu não cometa mais crimes, mas para que as barreiras morais da sociedade se fortaleçam. A morte do sujeito, com o nascimento da persona "réu" apenas protege a sociedade...da própria sociedade.
º
A ineficácia história e mundial da Justiça se deve não à burocracia, ao retardo nas decisões, tudo isso faz parte da telenovela, são as justificativas de um enredo manco. Tal ineficácia é incurável e encontra sua resposta no ser humano mediano. Geralmente no mais justo dos homens. O que engole as injúrias cotidianas, tenta deletar os sonhos ( mesmo a mente tem um nome criminoso para os sonhos hediondos: o "pesadelo" é o réu do leito, todo sonho é apenas sonho, mas uma classe merece uma nomenclatura diferente, diferenciada, afastada, a ser confessada em divãs, antidepressivos, e se repetidos, manicômios...com grades, contenções, penalidades...), esse ser humano mediano, que diante de um "mal pensamento", bate na madeira, madeira de "mater", a mãe que protege contra o mal. Como de madeira também é o martelo cinematográfico do juiz. Em todas simbologias e religiões, a mãe é aquela que afasta imediatamente o mal. Mas que mãe tem tempo e possibilidade de fazer isso o tempo todo ? Apenas uma mãe louca e enlouquecedora, doravante, uma mãe ficcional.
O choro da criança frustrada em sua fome, dor, solidão é o primeiro sinal criminoso de todos nós. Podemos ganhar mama, carinho, remédio. Mas nunca "nem sempre".
- Engole o choro, moleque. - Encarcere ou choro, melhor dizendo. Até aprender a falar, a não fazer caca fora do lugar, respeitar os amiguinhos. Enfim, formar essa ilusão superficial chamada já aqui de "sociedade", respeitável, todos cômodos iluminados, facas escondidas, pesadelos curados, convivência civilizada com o vizinho.
Na mídia, a Justiça escreve suas ficções mortais de maneira fracassamente preventida e catártica. E nunca as celas serão mais compatíveis com a vida, mesmo que se defenda a construção de mais presídios. A idéia é mostrar o réu como alguém que atravessou o Hades, e que agora está penando exatamente como Dante descreveu.
º
O hermetismo dos livros de Direito é uma "chave dos mistérios" dedicada aos iniciados em tal arte ficcional. Imagino um livro claro sobre Direito, acessível, indicado ao grande público por alguma revista semanal de grande circulação. Seria o livro mais perigoso de todos os tempos. O mais diabólico. O possível instaurador do caos absoluto. Se os advogados não usassem gravata, se os juízes não usassem toga. Se não houvesse essa "ritualização" do processo. Se verdade fosse dita, em outras palavras.
º
Já é noite avançada.
Hora de apagar as Luzes.
º



13 comentários:

Grazzi Yatña disse...

Hj tô com meu único neurônio sobrevivente comprometido demais..

se o ator é alguém que lembra quem conseguiria nos esquecer?
Imperdoável, hein.
Sentença: pena de morte lenta.
.
Não, não acredito na justiça, acredito em alguns sorrisos distraídos ao atravessar a rua.

Samantha Abreu disse...

pô.. meu sol é uma balança.Mas, ainda assim e talvez por isso, consigo duvidar que ela esteja sempre equilibrada. E vou te dizer: tenho certeza de que ela nunca está com o mesmo peso nos dois pratos.
Engraçado você falar sobre isso hoje. Talvez nada tenha a ver, mas me pergunto que tipo de justiça existe quando tanta gente que presta pra algo (pra vida, pra arte, pra gargalhadas descontroladas, pra música, pro teatro, e pro resto todo) está indo embora: seja por tiros, por leis de proibição ou redenção às próprias dores.
A justiça é a coisa mais injusta de que tenho notícia. Sou libra, acredite no que digo.

Um beijo, amore.

Júnia Caetano disse...

O direito de usar a adaga,passar a faca,colocar os buchos do outro pra fora.
Deslizar a adaga no corpo como se tivesse manteiga q lambuza de posse o réu, anunciando o encarceramento de quem mata e de quem morre.
O diabo não absolve. Deus não absorve.
Em nome de quem matarei dessa vez?
A fazer justiça nos meus pesadelos, ao que me ameaça nos sonhos...
Adaga preciosa, ficas como álibe de minha tormenta.

Júnia Caetano disse...

Beijos incrédulos(na justiça)

Anônimo disse...

Fico aqui pensando no papel dessa separação entre bem e mal, tão nítida na fé popular, e mesmo na anti-fé pensante. Sempre uma coisa e outra tornando impossível lidar com pequenas soluções. Os melhores atores são os que têm maior convicção. Sim, o espaço é hermético. A porta é ridícula. Só isso. Multiplicação de dobradiças barulhentas, rendas,em ambientes escuros, hipnose da repetição no discurso vazio, as cores do homem com setas para o chão e chifres para o alto. Adagas hierárquicas, prazer em apagar espelhos? A questão talvez seja como escolher um papel em um mundo sem cor.

Bel.

já tenho lesadosemgeral disse...

Tem réu que nem é tão réu.
É vítima .
De uma história que não tem começo nem fim porque não tem critério.
Tem encarcerado que sabe medir a cela mas mesmo assim não limita.
Tem gente que nunca sonhou acordado com enfiar uma adaga em alguém e só de ler a vontade vem. Mas há que se fazer uni duni tê prá ver qual o coração a recebê-la.
Mas conheço gente INOCENTE e próspera em vida que a recebeu sem merecer e por isso teria absolvição se devolvesse a mesma adaga em atos multiplicados.
Os mistérios dos livros de "direito" são um caminho para o lícito nos crimes praticados pela cegueira dos de toga e gravata. Há que fazer licitação do lícito?
Há, sempre se faz, porque os não inocentes têm um preço.
A ser calculado não por valor mas por todos os contrários do direito e que é direito também.
Estar do lado esquerdo claramente, seja encarcerado ou não, é mais dígno, mais humano, mais corajoso, mais desesperador e por isso merecedor de todos os perdões.
Mas há uma sutil vantagem para o encarcerado - todo toque, é um desafio. Ástile diástile, inspirar, expirar, tato, audição, paladar, visão, olfato, ato, desato, atado em nós que não tem como desatar no desato ou no que não é um ato - tudo é um desafio e portanto um movimento atroz o suficiente a manter qualquer réu menos vitimado pelo óbvio burro e incessante que é como a rotina e o cuidado amoroso de quem não está vivendo tais desafios.
Não há justiça mas há justeza prá quem mede e mesmo assim não limita.
Viver o que não se quer é ato de coragem e , prá poucos, porque todos vão atrás das palavras - boas.
O que vive à esquerda agradece e continua pulsando mesmo que embaraçadamente.
Não há mágica nisso nem poesia, há a dureza e a crueza do que É.
Mas a verdade que se vive deve ser motivo de júbilo mas que se viva a verdade e o júbilo em silencio, prá não incomodar mas , mais ainda, prá não enriquecer com informações todo aquele que não sabe a dor - assiste com piedade cumprida e comprida a mentirosa negação do encarcerado.
Pois a afirmação - é a do silencio e custa caro, muito caro, prá ser dividida qual pão sagrado.
Isto é para os deuses fazerem.
Nosso é o sacro ofício de fazer fel pois o fel compacta o mal e nos livra tanto da justiça quanto da caridade.
Nós as usamos - os outros jamais saberão qual justiça nos cabe ou qual caridade nos afeta.
E tal segredo - é carta na manga.

a. disse...

Lesados respondeu de maneira plena.
Sem medo.

Anônimo disse...

Somos herméticos como a noite de hoje, que com seus passos turqueza nem sabe pra onde vai, desiste dos caminhos ,esquece o portao onde deixou outrora o melhor amigo, tece uma rede enorme de solidao em volta de si mesmo ,esquece como se faz um abraço,como se desenha o leve contorno de um beijo em giz de cera... enfim;
Vamos crescendo cheios de isso pode e isso não; fazendo bonitinho para os outros ,mas nossa vontade é pegar a vassoura de trás da porta e batermos nesses escarniosos vizinhos que se fingem de certinhos e agarram os incestos de vítimas que nao têm força alguma pra se defender da enorme e braçal insensatez, e qdo esses mesmos fingidos lêem uma notícia no jornal que nem é grande coisa ,sao os primeiros que condenam sem deixar chance de defesa ...é , assim memso ,como o marido gentil que traz flores sem espinhos depois de uma traição, como o próprio assassino que após dar veneno, tenta ser o salvador da vítima, somos asssim!!! coitados de nós ,tao longe de nós , tao medo de nós, somos um saco caindo na imensidao da escuridao vazia, vazia como somos e julgamos , esquecendo que em nossas gavetas cheias de cupim, ainda nao se desfizeram as maldades que inventamos dos outros ,pq o que queremos mesmo é ver o circo pegar fogo, e que nao sobre nada , nem mesmo o sorriso do palhaço bonzinho que um dia bem distante ,só pensou em provocar mais sorrisos nos rostos das crianças grávidas de euforia!!!!pra que justiça?? se dentro de nós ,todos os dias executamos pessoas que só nos fizeram o bem ,esquecendo de ouvi- las qdo nos ligam no êxtase do desespero , querendo só que a gente fale que a amamos e fingimos que o telefone deu defeito?? se ficamos de saco cheio de trocarmos a fralda de nossos pais ,velhos e reumáticos , fechando a porta do quarto para esconde-los´pq nao combinam com a limpeza do resto da casa??justiça??? que issoooooo!!! prendemos até os sentimentos em cárcere privado!!! e aí empurramos a rocha que se forma logo além do quintal de nossa casa e vemos um menino chupando um sorvete, aí lhe falamos:
DÁ UMA CHUPADA?? e ele sai correndo , o que será que falamos de errado??? um dia ,esperaremos que as grades que nos prendem com o tempo, virem ferrugem e de ferrugem esperaremos que virem pó,e depois disso talvez o assopremos e npos libertemos das INJUSTIÇAS que fazemos a nós mesmos...quem sabe um dia; quem sabe...
Maria de Fátima Palma, para os íntimos; Fatinha...

João de Sacrobosco disse...

Belo texto, queridão! Pior que advogado, só médico. Venha ver o que escrevi e dedico a você... bj

Anônimo disse...

Anda pensando bobagem de novo Dr Paulo, trabalho distrai a mente de divagações literárias. Você é médico ou não é? Pensei em te encaminhar uns casos, mas tô vendo que não vai dar certo. Primeiro porque o caso em questão é do sexo masculino e me parece que você prefere histéricas.
Vai saber, Freud, o original deve explicar.
PC

Lia disse...

Não se comporte???Bom, ~´a se vão minhas bobagens que prá mim- no momento soam reais- caso contrário sucumbo. Em primeiro lufgar, se possível for, você é formado em Direito??/
Está mais para filósofo...Enfim, de nada entendo mas ando fascinada -com meio palmo de profundidade - com Nietzche. Em Ecco Hommo, por enquando , não venho gostando nada nada de vítimas ou de piedade à toa. Tampouco, embora queira consigo crer em Deus- quero, mas quero tanto! Mas não parece lógico. Nunca vi um cara tão lúcido! Como enlouqueceu? Por isso mesmo??? " a piedade é uma virtude apenas entre os décadents. Eu acuso os piedosos de se perderem em sua vergonha, em sua reverência,, em seu instinto delicado para as distâncias; a piedade ,por sua vez,acuso-a de feder a um povo num simples piscar de olhos, e de ser muito parecida com as más maneiras, com as quais pode ser facilmente confundida, aliás- olhos piedosos podem, conforme as circunstãncias, interferir de modo destruidor em um destino grandioso, em um isolamento entre feridas, em um privilégio para grandes culpas..." E por aí vai...talvez tenho fugido do tema, mas uma coisa levou a outra. Cheguei até aqui através do que escreveu na pág de recados da Sheyla...Preciso ir lá, ler...Vim.
Um abraço descomportado.

Lia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
L A R A disse...

Paulo
.
O verde das avencas debruçaram sobre meu molho rose.
E verde com rose , pintaremos um arco Iris..a sensibilidade a péle é suor naufraga a vida..seus dedos foram bem colocados..
A fragilidade de tornar-se cor e vida, de viver sem pudor..
O ar de vômito deu lugar ao prazer da língua no mamilo.
Dei-te sem pudor e o amanhecer foi gosto de saliva que se engole com sabor de quero bem..de querer mais..
Lindo..suave e áspero..verde & vermelho..o Sangue do ânus chegou dentro de mim e senti a alma.Foi bom..foi muito bom..
Ela não ligou.
O dia acabou e virou pó..pozinho assim nú e crú como quando te vi pela primeira vez.
Não queime bitucas,cigarros, neurônios amanhã o remédio é o
Amor..assim devagar ..lento..psiu!
Avencas&Fragilidade!